O ipê rosa da minha infância
Quando olho a foto do ipê,
enfeitado de céu azul
acompanhado de estradinha
e bastante bosta de vaca invisível a olho de whatsapp,
o ipê não me olha.
O ipê não olha pra mim.
Nem ele, nem o céu azul,
a estradinha, a bosta de vaca,
a vaca mesma,
e o barranco,
e o capim,
nenhum deles olha pra mim.
Cada pedaço desse chão de vó tatu
olha pra quem eu fui
e fui sendo
olha pro pedaço de pessoa
que sem nem pensar atirou-se à terra
à água
à jabuticaba
ao vento
embaraçou loucamente os cabelos,
[pra vó desembaraçar com a paciência de quem conhece o tempo]
[pra vó desembaraçar com a paciência de quem conhece o tempo]
enraizou todo seu futuro
na sabedoria que só tem quem amassou barro com as mãos
pra nada.
só pra sentir o molhado da terra penetrar a pele
invadir o ser e fazê-lo natureza de novo
sabedoria de início.
pisar na terra e deixar-se ser árvore
e crescer, florescer, partir em direção ao céu azul,
sem deixar de ser chão.
como sou ainda uma menina com os pés neste barro sob este ipê?
décadas mais tarde
décadas mais urbana
décadas menos tempo
décadas mais medo
décadas mais trabalho
décadas mais disciplina
décadas mais amores
décadas mais lágrimas
décadas mais viagens
décadas mais países
décadas.
e sou ainda.
um broto do ipê rosa da minha infância.
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