domingo, 25 de junho de 2017

O ipê rosa da minha infância

Quando olho a foto do ipê, 

enfeitado de céu azul 
acompanhado de estradinha 
e bastante bosta de vaca invisível a olho de whatsapp,
o ipê não me olha.

O ipê não olha pra mim.
Nem ele, nem o céu azul, 
a estradinha, a bosta de vaca, 
a vaca mesma,
e o barranco,
e o capim,
nenhum deles olha pra mim.

Cada pedaço desse chão de vó tatu
olha pra quem eu fui
e fui sendo

olha pro pedaço de pessoa 
que sem nem pensar atirou-se à terra
à água
à jabuticaba
ao vento

embaraçou loucamente os cabelos,
[pra vó desembaraçar com a paciência de quem conhece o tempo]
enraizou todo seu futuro
na sabedoria que só tem quem amassou barro com as mãos 
pra nada.

só pra sentir o molhado da terra penetrar a pele
invadir o ser e fazê-lo natureza de novo

sabedoria de início.
pisar na terra e deixar-se ser árvore
e crescer, florescer, partir em direção ao céu azul,
sem deixar de ser chão.

como sou ainda uma menina com os pés neste barro sob este ipê? 
décadas mais tarde
décadas mais urbana
décadas menos tempo
décadas mais medo
décadas mais trabalho
décadas mais disciplina
décadas mais amores
décadas mais lágrimas
décadas mais viagens
décadas mais países
décadas.
e sou ainda.
um broto do ipê rosa da minha infância.

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