domingo, 13 de outubro de 2013

Do sonho

Dormindo
eu sonho com o banal

Acordada
sonho maravilhas

Mundos justos

Ricos explodindo

Carros se desintegrando

Estupradores e machistas capados

Complexos imobiliários virando árvores centenárias

Cabelos com chapinha caindo, silicones virando jorro de leite materno

Rios retomando espaços esvaziados por hidrelétricas,
peixes pulando na cara de engenheiros, beijando suas bochechas alemãs
e roubando seus óculos para enxergar melhor o fundo dos rios

Cercas de fazenda virando índios
com caras e corpos pintados de guerra

Loucos se assustando elegantemente
com a norma dos normais. E rindo.

Bonitos desprezados por feios que se amam entre si.

Crianças gerindo escolas. Professores virando crianças. Diretores virando escorregadores no parquinho.

Paredes virando amoreiras. Pílulas virando geleia de amora.

Amores virando eternas efemeridades
                                                previstas
                                                e
                                                intensas
                                                e
                                                calmas

Provas, projetos, trabalhos, doutorados, críticas
se diluindo em poemas-corpos que abraçam policiais,
tiram suas roupas e os levam ao maior gozo coletivo jamais visto ou contado –
antes de virarem rampas de skate, rios de vinagre ou hippies tardios.

Orelhas imensas que escutam passarinhos
a quilômetros de distância.

Carrinhos de catadores de papelão virando mesas
de banquetes populares com comida
gratinada e cremosa infinita.

Risadas infantis tomando asilos
E velhinhos guerrilheiros saindo em cortejos
cantando marchinhas antigas,
tomando as ruas com os rostos cobertos,
saltitando ente os carros-com-raízes
até abraçar meninos de rua com frio
e produzirem calor de Carnaval.

Pessoas inventando pros seus chefes
que não podem ir a um compromisso porque precisam trepar
quando na verdade vão ficar sentadas num banco de praça sem fazer nada.

Pessoas desmarcando reuniões de trabalho com a desculpa de precisam
inadiavelmente
fazer nada num banquinho de praça
quando na verdade estão indo trepar
até que o sono as transforme em lençóis amassados e enroscados.

Reuniões de trabalho virando orgias.

Pessoas sentindo-se culpadas por produzir demais.
Pessoas dormindo anos.

Preguiçosos deitando-se nas ruas em grandes bicicletas dobráveis transformadas em pufes transparentes.

CETs virando palhaços e pedindo licença aos preguiçosos dos pufes
para virar cambalhotas coreografadas entre os carros-com-raízes,
quebrando com chutes cirúrgicos seus retrovisores
segundos antes deles se desintegrarem por completo.

Manifestantes virando pássaros lindos e horrorosos
e saindo em revoada, buscando tochas de Sol
para queimar o umbigo de governantes escrotos.

Pássaros virando manifestantes mudos e imóveis,
pendurados nas janelas mais altas, sentados no parapeitos dos prédios envidraçados, brotando do concretos dos elevados e do som dos rios que escapa dos bueiros.
Punhos erguidos.
Uma lágrima por rosto.
Com os sorrisos mais lindos e os olhos fechados vislumbrando tempos outros.
Grávidos.

Revoadas de pássaros-manifestantes que viram chuva ácida.
Gotas de chuva ácida que viram seringueiras milenares ao tocar o chão.

Computadores que viram travesseiros de camomila.

Britadeiras que viram brigadeiro.

Serras elétricas cortando cabeças de patrões.

Corpos de trabalhadores soterrados virando trepadeiras que abraçam as rodas dos caminhos gigantes das mineradoras e os esmagam, aos poucos, até virarem pó de ouro.

Salas de reunião que viram berçários. Cadeiras que viram berços. Planilhas que viram canções de ninar.

Trabalhadores que abandonam seus postos de trabalho, correm em busca de giz de cera colorido e escrevem no chão e nas coxas de seus colegas manifestos longuíssimos a favor da sua própria existência.

Trabalhadores que viram pessoas.

Soldados que abandonam seus videogames, correm em busca de giz de cera colorido e escrevem nas paredes do tanques e no peito dos inimigos manifestos longuíssimos a favor da paz interior.

Soldados que viram pessoas.

Secretárias invadindo salas com cadeiras em punho e acertando as cabeças dos diretores das multinacionais que, depois de acordar dos desmaios, se enforcam de joelhos com suas gravatas e ressuscitam em forma de clipes sensíveis e carinhosos.

Campeonatos internacionais de dominó amador cujo prêmio são férias compulsórias perpétuas.

Mesas de café virando o centro das salas dos escritórios.
Litros de café sem açúcar virando um rio quentinho que desce escadas vermelhas e acaba num chá de hortelã com risadas.

Risadas. Um coro de risadas tão altas e desafinadas e arrebatadoramente felizes, infantis e livres em sua completa despretensão que explodem cabeças velhas, tripas murchas, mãos moles, línguas secas, cabelos escorridos, cinturas finas, cérebros sofisticados, olhos opacos. Quebram os vidros todos só pro chá de hortelã poder fluir melhor. Derretem as mesas e as publicações. Invadem olhos e ouvidos. E são só risadas. Para todo o sempre. Ecoando...

Domindo
Sonho negociações e consensos

Dormindo
Sonho com o banal

Mas acordada...
Sonho maravilhas!


Escrito às 3h da manhã de 10/10. Hora dos pássaros

De uma vez

como se a vida acontecesse
assim
em pacotes de sentido

e fazer sentido tivesse
a ver com
trabalhar
incessantemente
para que o que não tem sentido
tenha.

ou pelo menos finja.