terça-feira, 22 de abril de 2014

De hora em hora

***

Eu até que sou boa de me amar
é só que tem hora que eu esqueço como faz.

***

Falta muito?
Quanto tempo falta, mãe?
Pra estrela escutar o desejo
E o mundo ter a boniteza dos 100 beijos
Que eu contei ontem à noite sorrindo com as orelhas?

Quanto tempo falta, mãe?
Pra chegar naquela terra fértil,
Onde brotam os amores livres
Dos pulmões dos seres inteiros?

Quanto tempo falta, mãe?
Pros motores morrerem,
Os calos nos pés se curarem,
E a gente correr de mãos dadas no asfalto quente?

Quanto tempo falta, mãe?
Pra ninguém ganhar a Copa,
Pra ninguém perder a casa,
Pra ninguém fingir que esqueceu no que acredita?

Quanto tempo falta, mãe?
Pra gente brincar no balanço novo,
Procurar os ovos com dicas que rimam,
E dormir abraçados em hipopótamos roxos?

Quanto tempo falta, mãe?
Pro tempo de ter tempo chegar,
Pro lugar de existir aparecer no horizonte,
Pra eu sonhar - sem amarras no real - outra vez?

***

De hora em hora

De hora em hora
Eu viro uma, viro outra
E me desconheço.

De hora em hora
Eu mudo a cara, mudo a roupa
E me reconheço.

De hora em hora
Parece que eu deixo escapar pedaços de histórias de que me faço.
Escapam como bolhas - umas voam mais, outras explodem assim que saem pelos olhos.

De hora em hora
Parece que deixo escapar pedaços de toda a boniteza que espiei por aí

E, então, pelo outro canto do olho, molhadas, saem as dores e as mágoas
- tantas, que afogam a boniteza e eu não vejo mais nem a lua no céu cinza do quintal.
- tantas que eu nem lembrava, nem sabia
ou se sabia, se lembrava, fingia
que não era em mim
que a dor-memória morava.

De hora em hora
Eu me vejo multiplicada nos outros
Todos!
Todos!
Sentindo-nos rejeitados, solenemente,
uns pelos outros.
Rejeitados.
De hora em hora, o tempo todo.

(Menos nos espasmos de amor-de-olhos-fechados - em que, fechados, os olhos costumam olhar pros mundos que ainda não são)


Quase como se fosse

Às vezes acho graça,
Às vezes me despedaço.

De 10 pedaços que me faço,
10 têm seu rosto,
E, cada 10 tem mais mil pedaços
- de planos, de trecos, de cacos.

- de coisa-sonho-doce
que a gente provou
ou que imaginou tão-tão forte
que é quase como se fosse.

Se acaso o mundo girar ao contrário
e os botões de violeta
florirem nos vasos
quem sabe eu pego a bicicleta
quem sabe despenco de cima do armário a maleta
e saio colhendo os frutos
que esquecemos pendurados
na beira da estrada...


***

Vida polenta

Te espero
Te acalmo
Te acelero
Te apresso
Te abraço
E te troco pelo travesseiro

Te encontro
Te perco
Te acho
Te escondo
Te corro
E te troco por um café

Te paro
Te espremo
Te multiplico
Te reduzo
Te canso
Te descanso
Te frustro
Te surpreendo
E te troco por um plano novo

.

Cotidiano - e - susto
Planejamento - e - ímpeto
Receita - e - improviso

"Bota mais leite nessa massa da vida pra ela amolecer!"
"Paciência e deixa amolecendo na água quente!"
"Derrete a vida com um pouco de açúcar pra fazer calda de pudim!"
Não adianta, gente, que a vida é dura.

E coméquefaz pra toda essa vida que pulsa em mim
caber no tempo?

Se o tempo que se tem é o que sobra de ficar não-sendo?