terça-feira, 31 de março de 2009

Impressões de um dia num mundo diverso II

O que há nas mãos que cumprimentam?
O que há nas mesmas palavras ditas e repetidas?
Dizendo e cumprimentando como sempre se fez
Caminhando pra cometer os mesmos equívocos elegantes pela enésima vez.

Montagem de letras que servem a quem?
Mensagens as mesmas que já não convêm.
Interesses de mentira, sorrisos forçados,
Corpos tristes, limitados, engravatados, cansados...

Todas as táticas para convencer
E para, independentemente de verdades, parecer
Vozes erguidas sempre pela manutenção
Não como fase de uma mudança, mas manutenção em si, como objetivo e função.

Tão próximo da busca pelo novo,
mas repetindo toda a lógica sem notar
Tantas palavras ditas em nome de um dito "povo"
Com quem, muitas vezes, nem se chegou a conversar.

Não pertence à pauta a alteração
estamos falando em adaptar pra caber na norma
O máximo que se pode admitir é uma ou outra reforma
Mas não me venha pensar, de fato, em uma renovação.

Trabalho de tapar buracos,
Escondendo em vez de alterar
Trabalhos em defesa dos ditos "fracos"
Incapazes de fortalecer por preferir subestimar.

Energia toda dedicada
à busca pelo quê?
Pequeninas conquistas tão suadas
De quem acredita que pra mudar tem que lutar e tem que sofrer.

Realizações no âmbito particular
Eterna idéia de começar pequeno pra só depois crescer
Formato que se engessa antes de aumentar
e que morre antes de terminar de nascer.

Escondendo a fragilidade do sistema pra sentir-se menos culpado
Mudando detalhes e com isso contribuindo pra que o conjunto se mantenha intocado
Agindo no plano local, com conformismo velado
Que fica claro quando nos focamos em mudar as partes e deixamos o todo de lado
E falamos, falamos, falamos...

...besteiras, frases feitas...
Só pra não poderem dizer de nós que ficamos calados.

Impressões de um dia num mundo diverso

Perdi o dia todo ontem ouvindo advogados falarem do famoso 3º setor. Destaco, inicialmente, neste post, a maravilha que é a norma culta do português apropriada por tributaristas:

Exemplo 1

O que ele disse: "Inclusive este tema foi objeto de uma conversa anterior à minha entrada no auditório"
Número de caracteres: 84

O que ele quis dizer: "é tipo o que a gente tava falando ali fora"
Número de caracteres: 42


Exemplo 2

O que ele disse: "Essas explicações iniciais foram para dizer que estes assuntos já tem sido muito falados"
Número de caracteres: 88

O que ele quis dizer: "Falei o que todo mundo já falou"
Número de caracteres: 30

Da composição dos sonhos...

Se é de sonho,
É de dentro, é da alma,
Por isso quando o exponho,
Vem pro mundo como uma verdade calma.

Se é de calma, só é,
Não tem pressa, não cerca,
Segue o ritmo vivo,
E, se preciso for, espera...

Se é de espera, é de esperança,
é simples, fluído, verdadeiro,
Minucioso como o passo de uma dança,
Tenqüilo e cuidadoso pra que seja certeiro.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Pérolas impagáveis

Tem coisa que eu anoto que é pra depois eu mesma conseguir acreditar que ouvi aquilo. Lá vai uma, pra variar, no busão:

"Então... sabe aquela boate onde o Dado Dolabela bateu na Luana Piovani? Então, é 150 reais pra entrar, mas é consumação. Vamos?"

Era sério.

Eu e meu Mercedes

Noite alta, dois rapazes arrasam pelo centro. Um dirige o Mercedes, o outro vai cantarolando, batendo uma papinho aqui, outro ali, de olho no telefone celular, de olho pro lado de fora da janela, procurando carne fresca.

Num horário em que praticamente só entra gente com bilhete único, não há nada a temer, e há tempo de sobra pra lançar olhares pra todas as direções. Opa. Todas, não. Velhinha ele não suporta. A gentileza toda se esvai, a cantoria pára e o moço só volta a jogar o sorriso pra fora, quando as velhinhas atletas descem pela porta da frente.

Carona mesmo ele escolhe pra quem dar. Pode ser gordinha ou magrinha, pode estar trabalhando ou "de folga hoje?", pode ser mulata ou morena, mas loira ele dispensa. Se ela estender a mão, ele finge que não vê. O companheiro no volante, anos de convivência nesta azaração noturna, sabe bem que se a loira correr atrás do Mercedão, o negócio é acelerar, mesmo que tenha que ignorar alguns pontos.

"Alô? Oh, meu amor. Mas você já tá aí? Tô aqui na Sé. Agüenta um pouquinho que em quinze minutos já estamos passando por aí."

Conversa mole pelo celular, conversa mole ao vivo. "Qual o número desse carro mesmo?" "..." "Ah, pensei que fosse meia nove".

"Essa provoca", comenta, assim que a mulata desce sacudindo o quase desaparecido vestidinho rouxo - na moda. "Mas não compensa não rapaz... o cara diz que pegou uma, foi lá uma vez só (faz lá na frente o famigerado gesto do ganso sendo afogado) e aí era um tal dela ligar: ai, você não gosta mais de mim, não quer mais sair comigo... O jeito era dizer que o horário não batia... mas não é fácil escapar"

Se nao é fácil escapar das moças que tomam generosas caronas de Mercedes todas as noites, é praticamente imposível fugir de um "boa noite, linda" ou "faz mais uma viagem com a gente, tá cedo", sempre acompanhado daquele olhar de Antonio Banderas depois de lutar no conflito na Faixa de Gaza - no lado palestino, claro.

Coisas de São Paulo à noite. Coisa de gente.

Da ausência da palavra

Minha tia me ensinou - sem querer, assim, desse melhor jeito de aprender e ensinar que há no mundo: o exemplo errado - que nas situações mais delicadas, o silêncio bem colocado é mais expressivo que qualquer som emitido. Afinal de contas, quem não entende o silêncio e seu contexto, tempouco entenderia palavra alguma.

Silenciar é uma maneira de conhecer a paz. De cultivá-la. Não um silenciar que afoga coisas e cria cânceres. Um silenciar que pacifica por dentro.

Só sinto de leve o receio da paz de lá de dentro estar tão plena e gostosa que a gente nem queira mais voltar pra fora. E aí crie uma casquinha. E endureça. Há que se temer ese fenômeno, porque dureza não combina com leveza... e leveza é o que há de mais ... pra se sentir