quarta-feira, 26 de agosto de 2015

manifesto do não sei

em nome dos buracos que enchem as calçadas de flores-surpresa
em nome dos sabores sem açúcar que enchem a boca de saliva nova
em nome dos vãos livres que enchem de horizonte a paisagem
em nome das malas vazias que enchem de leveza o percurso
em nome do menos-eu que enche de outros a vida.

para celebrar a flor que nasce no chapéu
para celebrar a pergunta que ainda não conseguiu nascer
para celebrar a cara de tacho do mestre superado
para celebrar a dor da dúvida
para celebrar o que se inventa por não se saber
para celebrar o que nos inventamos por não nos saber

evocando a calma-tempo que espera nascer a nova dúvida que vem depois da certeza
evocando a alma-espaço que não se contenta em deter nenhuma verdade em seu território
evocando os sonhos-delírio que sabem que não cabem, daí explodem, ilógicos
evocando os pés-penas, inchados, que calçados de caminhar tanto, decolam

para sermos maiores - e ao mesmo tempo do nosso preciso tamanho
para soprarmos as conexões cerebrais que revisitamos d.i.a.r.i.a.m.e.n.t.e
para mastigarmos as cercas feitas de palavras que dominam as prateleiras de saber

ateando o fogo, a coceira, a pulga, os dentes e dentaduras
convidando o abismo pro lado de dentro - e deixando o assovio do vento cantar a imensidão

pelo não sei
porque não sei

menos é mais

Venho aprendendo
a cada passo
a evitar que me conduzam
                         demasiado

A cada passo
A evitar que os ramos do meu bailar
                        sejam podados

que me peçam menos
que me peçam outra

mais discreta
mais cheirosa
mais depilada
mais normal
mais feminista
mais independente
mais desapegada
mais outra blusa
outro horário
outro sonhos
outro tempo
outra distância
outro desejo
outra loucura - que não a que eu sou

mais massacrada
mais ordinária
mais acostumada
mais arrumada
mais resolvida
mais psicoterapia
mais restaurante caro
mais detalhe
mais medo
mais indivíduo completo
mais eu - não eu-eu, eu esse-eu, que é o que tem pra todos

esse eu de prateleira
na forma certa
da loucura

mas não.
não vou.
não sou.
não sei.

minha loucura é minha
minha loucura é torta
vertical
como um dia de sol
sem sombra.