Tempo de São Paulo
O tempo de São Paulo
furou a sola do meu tênis preto
O tempo de São Paulo
fechou a porta do trem antes da bicicleta vermelha sair
O tempo de São Paulo
desgastou meu esqueleto na altura dos joelhos
O tempo de São Paulo
descarregou minha vontade de explodir os relógios
O tempo de São Paulo
afogou minhas palavras
O tempo de São Paulo
mofou a goiabada da minha vó na geladeira
O tempo de São Paulo
magoou as paredes do quarto que falta
O tempo de São Paulo
despertou o fascista que mora dentro do meu vizinho
O tempo de São Paulo
encharcou o rio sujo dos meus olhos diante do absurdo
O tempo de São Paulo
quebrou meu guarda-chuva de 10 reais e me deu 10 espadas
O tempo de São Paulo
confiscou os cobertores da campanha do agasalho para aquecer as pistolas militares
O tempo de São Paulo
estourou minha caneta dentro da bolsa e manchou a história
estourou minha caneta dentro da bolsa e manchou a história
O tempo de São Paulo
neblinou o verso que pensei quando vi aquele bueiro e depois esqueci
O tempo de São Paulo
apressou o passo pra dentro do terraço gourmet
O tempo de São Paulo
trancou as crianças no play
O tempo de São Paulo
derreteu o sorvete mexicano com sotaque francês
O tempo de São Paulo
nevou os cabelos da moça que não tem nem 32
O tempo de São Paulo
roeu minhas unhas
O tempo de São Paulo
atropelou o filho que eu não quis ter
O tempo de São Paulo
pegou o busão errado, cochilou no metrô e foi parar no terminal
O tempo de São Paulo
caiu da escada, encalhou na catraca, derrubou o chocolate no trilho do trem
O tempo de São Paulo
deve estar com gastrite, mas talvez seja úlcera, daquela coxinha com Coca
O tempo de São Paulo
perdeu a chance de dar bom dia, boa noite, boa sorte ao outro corpo
O tempo de São Paulo
congelou a cerveja
O tempo de São Paulo
dormiu no meio do Godard
O tempo de São Paulo
sofre de rinite, mas talvez seja sinusite, com asma e um pouco de orgulho
O tempo de São Paulo
quer comer melhor amanhã
O tempo de São Paulo
Pesa a cebola para fazer um chá mágico
O tempo de São Paulo
cochila na ressonância e espasmos
O tempo de São Paulo
hiberna durante o verão e segue exausto.
E o copo repousa - ao lado do caderno amarelo