sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Tempo de São Paulo

O tempo de São Paulo
furou a sola do meu tênis preto

O tempo de São Paulo

fechou a porta do trem antes da bicicleta vermelha sair

O tempo de São Paulo
desgastou meu esqueleto na altura dos joelhos

O tempo de São Paulo
descarregou minha vontade de explodir os relógios

O tempo de São Paulo
afogou minhas palavras

O tempo de São Paulo
mofou a goiabada da minha vó na geladeira

O tempo de São Paulo
magoou as paredes do quarto que falta

O tempo de São Paulo
despertou o fascista que mora dentro do meu vizinho

O tempo de São Paulo
encharcou o rio sujo dos meus olhos diante do absurdo

O tempo de São Paulo
quebrou meu guarda-chuva de 10 reais e me deu 10 espadas

O tempo de São Paulo
confiscou os cobertores da campanha do agasalho para aquecer as pistolas militares

O tempo de São Paulo
estourou minha caneta dentro da bolsa e manchou a história

O tempo de São Paulo
neblinou o verso que pensei quando vi aquele bueiro e depois esqueci

O tempo de São Paulo
apressou o passo pra dentro do terraço gourmet

O tempo de São Paulo
trancou as crianças no play

O tempo de São Paulo
derreteu o sorvete mexicano com sotaque francês

O tempo de São Paulo
nevou os cabelos da moça que não tem nem 32

O tempo de São Paulo
roeu minhas unhas

O tempo de São Paulo
atropelou o filho que eu não quis ter

O tempo de São Paulo
pegou o busão errado, cochilou no metrô e foi parar no terminal

O tempo de São Paulo
caiu da escada, encalhou na catraca, derrubou o chocolate no trilho do trem

O tempo de São Paulo
deve estar com gastrite, mas talvez seja úlcera, daquela coxinha com Coca

O tempo de São Paulo
perdeu a chance de dar bom dia, boa noite, boa sorte ao outro corpo

O tempo de São Paulo
congelou a cerveja

O tempo de São Paulo
dormiu no meio do Godard

O tempo de São Paulo
sofre de rinite, mas talvez seja sinusite, com asma e um pouco de orgulho

O tempo de São Paulo
quer comer melhor amanhã

O tempo de São Paulo
Pesa a cebola para fazer um chá mágico

O tempo de São Paulo
cochila na ressonância e espasmos

O tempo de São Paulo
hiberna durante o verão e segue exausto.

E o copo repousa - ao lado do caderno amarelo