quinta-feira, 19 de julho de 2018

Poemar

Utopia


Gosto de pensar em você
Como se fosse uma ilha
Que ninguém nunca tocou
Mas que se pode ver
De todos os lugares
Terra inédita
Sem pegadas
Nem digitais


Gosto de pensar em inéditos
Que se movem
Sem se afastar


Gosto de pensar no sabor
Dos frutos desconhecidos
E no calor das sombras
Desenhadas no teu corpo-ilha
Por árvores centenárias


Gosto de pensar em teus grãos
De areia de toda cor
Preenchendo meu corpo
Como partículas de delírio
Invisíveis
Que eu posso carregar comigo no ônibus
Sem precisar explicar nada pro cobrador
Nem ocupar o espaço de outras


Gosto de pensar nas grades
Que não te cercam
Nos seus longos braços
Que abraçam qualquer horizonte
Nos seus olhos-ponte
No fogo que aceso nas suas entranhas
Escapa pelas pontas dos seus dedos
E incendeia partes de mim
Como se as inaugurasse


Gosto de pensar na tua brisa
Que suspende saias e fronteiras
Ignora barreiras
E acaricia suave
As cicatrizes das lutas antigas
Secando a última lágrima
Que resume um oceano de tentativas


Gosto de pensar nos teus picos
Ávidos por tocar o céu
Capazes de vencer terremotos
Espelhos do desejo de tantos
Que se sublevaram
Por menores que fossem as chances
De atingir o cume


Gosto de pensar em você
Sendo ocupada por multidões
Lenços brancos que saltam
De uma esquadra incontável
De barquinhos de papel
Ancorados com doçura em suas margens
Transportando com coragem
A memória derretida da fibra de outros tantos
Barquinhos que não resistiram às chuvas
E se despediram antes
De poderem lamber sua areia e
Coabitar promessas novas.


Gosto que pensar que cada onda
Toda mínima onda de todos os mares
À esquerda do mundo
Balança em sua direção
E quase não importa que não chegue nunca
Porque de algum modo chega.

***

Ainda onda


Olhava o mar
Como se visse a si mesmo
E lesse nas ondas linhas tortas
Escritas por ninguém


Olhava inteira
Sem óculos, sem medo


Poderia calmamente afogar-se em si.


Ainda seria onda


***


Se fez
Vem água, vai areia
E a terra de que somos feitos
Se dilui em onda


Somos o curso do rio
E somos também suas curvas
As mais elegantes
E as mais tortas
As mais rebeldes
E as mais mortas


Somos o barco que manobra
E somos também o náufrago
O mais só
E o mais completo
O mais augústia
E o mais paz


Somos a vela que dança
E somos também o vento
O real mais invisível
E o impossível mais sentido
O perfeito mais movido
E o passageiro mais presente


Vai areia, vem onda
E a água de que somos feitos
Se dilui em terra
E assim se fez.

***


Visita

Tem dias em que é preciso caminhar juntos
Tem manhãs em que é preciso soltar as mãos
E caminhar pra longe
Bem longe
No caminho de dentro


E voltar
Novo
Exausto
Depois de ter se visitado.

***
O sonho do mar
(Com Viola Aires Monteiro, que tem nome de música, vento e montanha)


O caseiro que cuida da ilha
É um caseiro ou um ilheiro?
Um casilheiro será.


E quando você menos espera,
No céu estrelado,
Ali! Do outro lado!
Um satélite-avião
Um satelitião
Vai quase quase
Ai, ui, uhhhh
Riscar o raio
Da Estrela Dalva
Que de soslaio
Vai dar um salve!
E dizer pra ele
Não vir satelitar aqui, não!


E quando você menos espera,
O rio Gela-Canela
Sobre, desce e se revela
Um incrível congelador de dedo mindinho e de dedão
E grande aquecedor das aventuras do meu coração


_ Ah! Até que foi bão!
A rima do dedão
Com o coração
_ Não ficou ruim, mesmo, não?


A dona Universa, rindo da rima ruim,
Fez o vento bater na prancha,
Que jogou areia no verso,
E puxou os olhos da criança,
Que viu a hora exata
Em que o mar gelado
Pegou uma pegada
E fugiu pra ilha,
Que ilha, minha filha?
Aquela ali do lado!
Cheia de passarinho e mato!
No formato de um sapato


Tira o sapato
Pisa na areia, na concha
Ai!
Reclama, faz drama
Faz da areia sua cama
Quentinha….
E sonha
Que o sonho do mar

É molhar seu sonho de infância.